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terça-feira, 26 de julho de 2016

INNOCÊNCIO VIÉGAS


Irmão Capilé: o beija-flor, a rosa e a saudade
Por Innocêncio Viégas
Dia 20 de julho do ano da graça de 2016, “Dia do Amigo”.
Telefonei para os mais próximos. Alguns atenderam, outros estavam “ocupados”, e grande parte deles, viajando em férias, me deixaram gravar a voz nas caixas postais dos telefones.
A manhã ainda era fria aqui nas montanhas do Velho Duca e não me animei a ir ao pomar regar as plantas. O galo “Cigano”, com o seu canto roquenho, tentava acordar o sol que, entre a névoa do alvorecer, teimava em não sair dos braços de Morfeu, o deus dos sonhos.
O dia passou no mesmo diapasão de sempre. A noite foi reconfortante e até sonhei com um velho relógio de parede que fora do meu saudoso pai. No sonho o carrilhão marcava meia-noite completa.
No dia seguinte – 21 – o telefone me tira do pomar onde aguava as plantas. Era o Eminente Irmão Robson Gouveia, que me avisava do passamento do Irmão Júlio Capilé. Logo um frio glacial percorreu-me a espinha dorsal, e o pensamento, como em um filme, me levou a ver o Dr. Capilé nas suas horas de candura e em suas palestras e discursos acadêmicos entre os seus pares e queridos Irmãos.
O pioneiro Dr. Capilé foi, sem dúvida, um dos primeiros médicos da cidade em construção. Por suas delicadas mãos nasceram centenas de crianças que viriam a ser os primeiros brasilienses da cidade de J.K.
Nas suas conversas comigo contava-me que inúmeras vezes o acordaram pela madrugada para socorrer uma parturiente que necessitava dos seus serviços. Obstetra que era, ajudou a ver a luz os futuros candanguinhos desta cidade monumento.
Capilé foi um mestre na Sublime Ordem, na Academia Maçônica e também nas letras. Escrevia constantemente suas crônicas para o jornal “O Progresso”, da cidade de Dourados – MS, nelas, era médico e pajé ao mesmo tempo, pois assim como falava cientificamente das doenças, ensinava remédios feitos com ervas e raízes. Romântico, vez por outra nos brindava com o seu lado poético. Em uma de suas crônicas lembrou sua professora em Ponta Porã: “Dona Jovelina Gomes era mansa como uma pomba e suave como a brisa da primavera”.
No prefácio – Proêmio – de um dos seus livros, o “Antigamente era assim”, escrevi: “Este homem que nasceu na roça, que arrancava o “mate” com as mãos, hoje, do alto dos seus quase 100 anos, escreve suas lembranças ao dedilhar um computador com a mesma perícia com que domava um burro xucro, fazendo inveja aos meninos de hoje que só conhecem como diversão os shoppings centers e a Internet”. Nesse livro ele seguia contando as suas histórias e falando das coisas de antigamente, de tantas saudades.
O grande Cícero nos disse: “quando morre um velho, se incendeia uma biblioteca”. Dr. Júlio era possuidor de uma cultura religiosa e secular que variava do barroco ao clássico. Sendo um dos expoentes da Comunhão Espírita de Brasília, levava sua palavra meiga e aliviava o sofrimento dos Irmãos que o procuravam.
Pai de família exemplar. Com sua alma gêmea, nossa cunhada Laís, com quem viveu por mais de 50 anos, teve duas filhas – Betânia e Betsáida – que lhes deram netos e genros. Capilé era um eterno enamorado, pois durante todo o tempo de sua convivência com Laís, oferecia-lhe diariamente uma linda flor, querendo assim perfumar o amor que nutria por ela.
A vida tem seus caprichos. Aquele que passou grande parte de sua existência ajudando crianças a chegarem ao mundo, parte agora para a sua última viagem em direção ao Oriente Eterno, depois de cumprir sua nobre missão.
A grande Mansão Celestial engalana-se para receber o Irmão Capilé. Seus amigos e Irmãos preparam-lhe uma grande recepção e receberão de suas mãos a flor que ele costumava colher todos os dias.
A manhã continua fria e nebulosa. Lá no jardim, um beija-flor solitário se encarrega de colher o néctar de todas as flores, deixando intocada apenas uma, é a que representa o seu eterno amor por Laís.
O Irmão Capilé é aquele beija-flor que voa serenamente para a vida espiritual, deixando conosco a imortal rosa da saudade.

Consumatum est.

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