POEMA PARA SER LIDO
PELO PRESIDENTE !!!
Ando pela calçada da rua em que moro,
em direção à Cobal, por exemplo,
onde diariamente compro alguma coisa
apenas para descansar um pouco do trabalho
cotidiano que faço em casa, e,
ao passar por uma pessoa, sou para ela
o que ela é para mim: alguém
que sobe ou desce uma rua, nada mais.
Talvez, neste momento, eu seja
também para mim e ela também para ela
o que somos um para o outro: alguém
que se esquece de onde está vindo
e aonde está indo, de seu nome, de seu trabalho,
alguém que sobe ou desce uma rua, nada mais.
Ou algo mais, ou menos, não sei, que vai
comendo o nome, o trabalho, o parentesco,
as demandas que recaem sobre nós,
largando-os pouco a pouco pelas latas de lixo
penduradas nos postes, deixando-os cair
ao meio-fio, por entre as rodas dos carros,
cumprindo o destino comum de todos dejetos.
Andando pelas calçadas, subindo-as
ou descendo-as, indo ou voltando não importa
para onde ou de onde, enquanto andamos,
desta vez não temos um encontro marcado
com nós mesmos. Mais persistentes
ou mais ausentes, mais barulhentas ou silenciosas,
diversas vidas vêm e vão em um só corpo,
aparecendo sempre alguma quando alguma
é requisitada. Mas há momentos em que,
entre a casa e os ofícios da cidade, entre
qualquer compra, por exemplo, na Cobal,
e o uso da compra ao chegar em casa,
antes de qualquer contrato, de qualquer direito,
de qualquer convenção, do livre arbítrio,
do estado civil, antes do tamanho dos ossos,
do formato da orelha, das impressões digitais
dos dedos, das extensões do rosto, da fotografia
em 3X4 ou em 5X7, das fotografias de frente
e de perfil, antes das imagens exclusivas da íris
e das retinas e dos escaneadores 3D,
das câmeras que nos gravam nos bancos
ou pelas ruas, antes dos DNAs guardados
em algum arquivo nacional, antes da beleza
e da feiúra, do código de barras na nuca
– com o qual sonhei ontem – disponibilizando
os corpos a uma máquina que teimasse
em reconhecê-los por um número qualquer
pelo qual jamais nos reconheceríamos,
antes desses e milhares de outros modos
de sermos apreendidos, os ócios vazios
de um corpo abandonado (uma vida nua
ou um posto de pura distração
em que os viventes se fazem esquecidos,
ou quase isto) sobem e descem uma rua,
nada mais. São corpos matáveis, como
ao fim de uma partida de futebol,
como durante um assalto, como na fila
de um hospital, como por bala perdida
ou certeira da polícia e dos traficantes,
como por acidentes, pelas drogas, pela fome...
São corpos gloriosos, como durante
uma partida de futebol, como durante
uma semana de carnaval, como em um show
de rock, em uma mesa de bar com amigos,
em um mergulho diurno ou noturno no mar,
como quando fazem amor ou quando,
mesmo sem o fazerem, se amam
ao longo da vida ou por apenas
alguns instantes. São corpos dúbios,
quando dançam o funk sob a mira
dos AR-15, quando fogem dos tiros
saltando atleticamente por telhados,
caixas d’água, correndo por becos,
quando se explodem na terra ou no ar
contra o concreto de um edifício
ou quando se jogam das alturas
do mesmo edifício. São corpos funcionais,
como nas caixas lotadas dos supermercados,
dentro das britadeiras fritados sobre o asfalto
do sol, dentro da cozinha da minha casa,
ao meu ouvido, na central de telemarketing.
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