BY MYSELF AND TO MYSELF (MA NON TROPPO)
Já quase transborda o lote de assuntos sobrepostos, que aguardam ser aqui despachados (e certamente o serão, tão logo se abra uma clareira de tempo mínimo nesta minha infindável maratona de tarefas ixiônicas, prometo a mim mesma e aos que têm e me dão o prazer de ler minhas crônicas). Confiantes na promessa, estão todos bem comportados, à espera de que chegue sua vez, como idosos na fila prioritária de um banco. O máximo a que se atrevem, em sua paciência resignada, é a acenar-me, piscando a luz de seu terceiro olho, como a dizer: ó fiel escriba, não te esqueças de nós!
Entretanto, como sucede nas filas de bancos, e também nas demais filas (semana passada, por causa da fila, tive um pega no Hiper Bom Preço, com uma jovem indevidamente colocada na função de atendente da recepção), há sempre os furões. E hoje consinto em que um dos assuntos salte por cima dos seus antecessores, porque alega ser pertinente, e me promete não se alongar mais que o suficiente.
Trata-se do meu atual rumo de leituras. Concluído "A Alma de Leonardo da Vinci", de Fritjof Capra, abri um intervalo e - antes de enveredar por "A Ciência de Leonardo da Vinci", do mesmo autor, que foi escrito antes mas descobri depois, e agora terei que ler, tanto por prazer quanto por obrigação - comecei a conferir as proposições de Ilya Prigogine, o Nobel que já conhecia (como leiga ignorante, é claro) no campo da Física, mas agora interessada na sua teoria dos sistemas dissipativos, referida no citado livro do Capra, cuja leitura acabo de concluir.
Mas por que estaria eu particularmente interessada em conferir tal teoria, ao ponto de ir ter à cooperativa/UFRN (onde, como sócia, tenho sempre 15% de desconto), e de lá sair com dois novos livrinhos, para leitura imediata? Muito simples: ao que tudo indica, essa teoria aponta uma descoberta que fiz recentemente, pela minha própria experiência, no topo do monte, lá na Úmbria. A partir daí, processou-se continuamente em meu cérebro uma compreensão mais acurada do que somos nós, organismos vivos, sobre esta esfera viva dançante, aquecida por um astro luminoso, em contínuas experimentações e metamorfoses. Compreensão que não é resolutiva, muito menos definitiva, e sim apenas uma iniciada reflexão, como uma espécie de equação em que há incógnitas por decifrar. Intuitivamente, porém, percebo, neste admirável mundo novo que se me abriu à percepção, o conceito de organismos em sistema aberto, o que me leva a lastimar profundamente a insuficiente instrução que me foi oferecida pela escola primária e ginasiana (hoje, ensino fundamental), com a qual, aliás, colaborei, pois creio que poderia ter extraído melhor proveito dos livros a mim oferecidos pelo meu pai, entre os quais "O Livro da Natureza", de Fritz Khan.
Tal descoberta - que felizmente confirma a minha intuitiva e inata adesão ao culto do Grande Pã - embora seja um ponto de chegada, é assim muito mais um ponto de partida para outras várias revelações. O que só vem ainda mais acentuar a corrida contra o tempo na qual estou engajada há anos. Porque há anos estou às voltas com um quebra-cabeças de peças que parecem - estranhamente - não diminuírem, e sim multiplicarem-se, ao mesmo tempo deslocando-se, tal e qual os ouriços e flamingos no jogo de criquet que a rainha de copas propõe à Alice do Disney.
Quem vencerá: a dispersão em debandada dos componentes do meu organismo ou a consecução do propósito que em mim impele à resolução da equação? E, mesmo que triunfe a segunda hipótese, quanto valeria a descoberta de uma cearense crescida em Natal, pertencente ao gênero de cabelos longos e ideias curtas, e desinteressada de corridas engalfinhadas rumo aos holofotes, em arenas do tipo MOMA? Niente! Patavina! Coisa nenhuma! Passaria inteiramente despercebida, como tantas outras ao longo dos séculos, neste mundo que Foucault definiu como um hospício; mas pior ainda seria se fosse percebida (dizia o Cheshire à atônita Alice, no mesmo disquinho do Disney: "e o pior, é que se você ganhar o jogo ela manda cortar a sua cabeça"), como, aliás, sucedeu com as descobertas extraordinárias que fiz em relação a Os Lusíadas, de Camões (nunca antes procedidas, sequer pelo grande Faria e Sousa, em séculos de fortuna crítica abundante), que sumidades ciumentas tudo fizeram por ocultar e deletar, e, não conseguindo, hoje distorcem e furtam, mas também sem lograr êxito em sua campanha insidiosa, desde quando mentes maiores, como Eduardo Lourenço, Martín Lopez-Vega, Silvina Rodrigues Lopes e Stephen Reckert, entre outros, reconheceram-me o mérito, como devido, e revistas prestigiosas publicaram e divulgaram as descobertas sem lhes ocultar a autoral fonte. A História das descobertas foi brilhantemente resumida naquele trecho de O Pequeno Príncipe, no qual o narrador se refere ao cientista que cometeu a falha de apresentar sua teoria mal vestido, ou seja, sem as necessárias comendas e decorações, e foi simplesmente ridicularizado; mas, em seguida, sacando o jogo, vestiu-se bem e voltou à carga, sendo então louvado e aplaudido pela corja de tolos vaidosos, imprestáveis e inúteis. Eu, porém, tenho uma parábola melhor: se uma criança acha uma pérola, ninguém a levará a sério quando disser que a encontrou, mas, para sua sorte, é melhor que continuem duvidando; pois, no momento em que passarem a acreditar, furtarão a pérola e inventarão uma conversa fiada sobre como a descobriram eles próprios, sumidades presunçosas e tolas. Vem então o gênio que se vinga, trazendo à cena a criança que brada, em plena rua e a plenos pulmões: o rei está nu! E contra a evidência não pode o mais torpe dos conluios. Como dizia o Ivan Serpa, em Arte há dois tipos de público: o sensível, que entende a obra por si mesmo, dispensando intermediário, e o ignorante, que se arroga entendedor, mas antes precisa consultar o crítico. O que vem ao encontro de Camões: quem não sabe a arte, não a entende. O Espírito sopra onde quer e quando quer, e a humildade não paga imposto.
Digressões à parte, voltemos ao que interessa, para concluirmos esta crônica fura-fila, que se alonga além do prometido. Seja lá qual for o resultado desta aventura, pouco importa, como diria o grande Lêdo Ivo. Cedo ou tarde, por mim mesma e para mim mesma, montarei o quebra-cabeça, ainda que seja para então perceber que estive a lidar com uma ardilosa ilusão, um entretenimento destinado a desviar-me do que realmente importa - tal como sucedeu na antiga Grécia, postulado no mito da Esfinge enganadora, que Édipo julgou ter decifrado, mas pela qual foi burlado, pois a pergunta feita não era a verdadeira questão a ser decifrada, e sim um ardil para distraí-lo do verdadeiro enigma, que por isto, ao longo dos séculos, passou a ser perseguido e inquirido.
By myself, hei de montar o puzzle, resolverei a equação. E pouco importa que não seja para o reconhecimento de alguma entidade ou instituição. By myself e to myself, será quanto basta. Terei, porém, que acrescentar o ma non troppo, uma vez que, se de nada importasse a ressonância de receptores, teria escrito esta crônica apenas para mim mesma, e nunca a lançado aqui, nesta ágora do Face Book.
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