Na quinta pergunta e resposta, PEDRO MASTROBUONO nos fala de como um ato injustificado de censura privou os brasileiros de patrimônio, que seria referencial para o país, e desrespeitou a memória dos homens de visão e de arte, que construíram Brasília.
QUINTA PERGUNTA: o que dizer sobre a destruição da obra de Volpi na Capela de Fátima em Brasília ?
RESPOSTA: Volpi confeccionava quase tudo em seu ateliê. Não só os pigmentos e os bastidores das telas, mas também os próprios utensílios, tais como o cavalete de pintura, cabos de martelo e, ainda, arco de serrinha tico-tico, etc.
Certo sábado, abriu o armário sobre o qual ficavam as cabeças feitas por Bruno Giorgi (Terracota e Bronze), ao lado da escada sem corrimão. Tirou de lá uma pasta de cartolina, também feita por ele mesmo, que continha alguns desenhos antigos.
Enquanto todos olhávamos tais trabalhos, meu pai percebeu que aquela pasta de cartolina também continha uma pintura escondida na sua parte interna. Tinha sido encoberta por uma folha de papel branco, colada só nas bordas.
Meu pai, curioso como sempre, perguntou o que era aquela pintura escondida. Volpi, meio cabisbaixo, respondeu que era um estudo.
Meu pai pediu para ver tal trabalho. Volpi, então, desfez tal pasta e removeu o papel branco, exibindo um lindíssimo trabalho a têmpera, sobre o qual começou a contar:
- “Um arquiteto me pediu um projeto para um mural de azulejos. Era para o saguão de um prédio em Santos. Precisava ser de azulejos por causa da maresia. Fiz isso aí. Com duas cores nos azulejos, na diagonal, para facilitar a execução. Ele não gostou, disse que eu estava me repetindo muito. Executou um projeto da Fayga Ostrower.”
Note-se, por favor, que Volpi havia ficado bastante envergonhado e, por isso, havia coberto tal trabalho.
Meu pai, sem pestanejar, disse bem em voz bem forte e alta:
- “Esse arquiteto é uma besta!”
Volpi, que já estava sorrindo novamente, disse:
- “Você gostou? Fica pra você.”
Volpi era assim. Sensível, generoso, desprendido, altruísta, humilde, simples, bom amigo... Jamais falava dele próprio. Jamais se vangloriava.
Quando da destruição de seus afrescos na Capela de Nossa Senhora de Fátima, não disse nada. Não foi a público. Não esbravejou. Não era do seu feitio.
RESPOSTA: Volpi confeccionava quase tudo em seu ateliê. Não só os pigmentos e os bastidores das telas, mas também os próprios utensílios, tais como o cavalete de pintura, cabos de martelo e, ainda, arco de serrinha tico-tico, etc.
Certo sábado, abriu o armário sobre o qual ficavam as cabeças feitas por Bruno Giorgi (Terracota e Bronze), ao lado da escada sem corrimão. Tirou de lá uma pasta de cartolina, também feita por ele mesmo, que continha alguns desenhos antigos.
Enquanto todos olhávamos tais trabalhos, meu pai percebeu que aquela pasta de cartolina também continha uma pintura escondida na sua parte interna. Tinha sido encoberta por uma folha de papel branco, colada só nas bordas.
Meu pai, curioso como sempre, perguntou o que era aquela pintura escondida. Volpi, meio cabisbaixo, respondeu que era um estudo.
Meu pai pediu para ver tal trabalho. Volpi, então, desfez tal pasta e removeu o papel branco, exibindo um lindíssimo trabalho a têmpera, sobre o qual começou a contar:
- “Um arquiteto me pediu um projeto para um mural de azulejos. Era para o saguão de um prédio em Santos. Precisava ser de azulejos por causa da maresia. Fiz isso aí. Com duas cores nos azulejos, na diagonal, para facilitar a execução. Ele não gostou, disse que eu estava me repetindo muito. Executou um projeto da Fayga Ostrower.”
Note-se, por favor, que Volpi havia ficado bastante envergonhado e, por isso, havia coberto tal trabalho.
Meu pai, sem pestanejar, disse bem em voz bem forte e alta:
- “Esse arquiteto é uma besta!”
Volpi, que já estava sorrindo novamente, disse:
- “Você gostou? Fica pra você.”
Volpi era assim. Sensível, generoso, desprendido, altruísta, humilde, simples, bom amigo... Jamais falava dele próprio. Jamais se vangloriava.
Quando da destruição de seus afrescos na Capela de Nossa Senhora de Fátima, não disse nada. Não foi a público. Não esbravejou. Não era do seu feitio.
Do mesmo modo que ficou envergonhado e escondeu o estudo rejeitado por aquele arquiteto, rapidamente se desfez dos projetos da Capela de Brasília. Deu alguns para seu amigo Bruno Giorgi (padrinho de casamento em 1943), que hoje estão com seus familiares.
Volpi não merecia isso.
Já falei aqui, nesta própria entrevista, sobre Cultura ser importante elemento de formação de identidade, referindo-me inclusive a maneira pela qual professamos nossa fé. Assim, rogo atenção para algo que me incomoda profundamente. Como fica a destruição do ponto de vista da espiritualidade, da fé popular? Lembremo-nos que se trata de uma obra solicitada pelo então Presidente da República, em face de uma promessa da Primeira Dama pela saúde da filha do casal. A destruição não seria, pois, de um desrespeito também a memória de Sarah e Juscelino Kubitschek? Um desrespeito às intenções religiosas do casal?
Quantos brasilienses poderiam ter se casado, batizado os filhos, em cerimônias ornamentadas pelos afrescos de Volpi? Tais pinturas, caso preservadas, não estariam gravadas de modo indelével nas memórias destes fiéis?
Foi só a obra artística de Alfredo Volpi que foi prejudicada?
Alfredo Volpi foi impedido de ter sua obra incorporada ao imaginário do povo brasiliense. Foi impedido de ver seus afrescos posteriormente tombados, em nível distrital e federal, como os demais artistas envolvidos na Capela, hoje protegida por força de lei.
Sob qualquer ponto de vista que se queira adotar, onde está, por favor, a coerência?
Se houvesse alguma, ainda que de abordagem religiosa, como fica então a Capela do Cristo Operário? Edifício também dos anos 1950, localizado no bairro do Alto do Ipiranga, em São Paulo, ligado à Ordem dos Dominicanos. Possui obras de artistas do mesmo Modernismo brasileiro, com afrescos de Volpi, acompanhado neste projeto também de Burle Max.
A religião católica de Brasília é outra?
Um único padre, às vésperas ou em pleno regime militar, destruiria assim os afrescos, sem ao menos consultar o Bispo? Não é estranho que não tenha havido reação?
Independentemente do lado que se queira defender, é impossível não reconhecer que, aqui em São Paulo, quando este novo prefeito apagou pichações e grafites, houve grande alarido. Ações judiciais, Ministério Público, liminares. Discussões infindáveis na mídia.
Apagam-se afrescos de um projeto comum de ninguém menos que Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Burle Max e Alfredo Volpi. Encomenda do casal Kubitschek. E ninguém fala nada? Silêncio sepulcral?
Tudo isso precisa ser esclarecido. Compositores que sofreram censura, revolvem até hoje documentos em busca de fatos e circunstâncias. Assim como há pesquisa sobre peças teatrais censuradas e proibidas. Entendo que pintura (terceira das sete artes) também tenha legitimidade para tanto.
Volpi era tímido. Ficava envergonhado. Não disse nada.
Volpi não merecia isso.
Já falei aqui, nesta própria entrevista, sobre Cultura ser importante elemento de formação de identidade, referindo-me inclusive a maneira pela qual professamos nossa fé. Assim, rogo atenção para algo que me incomoda profundamente. Como fica a destruição do ponto de vista da espiritualidade, da fé popular? Lembremo-nos que se trata de uma obra solicitada pelo então Presidente da República, em face de uma promessa da Primeira Dama pela saúde da filha do casal. A destruição não seria, pois, de um desrespeito também a memória de Sarah e Juscelino Kubitschek? Um desrespeito às intenções religiosas do casal?
Quantos brasilienses poderiam ter se casado, batizado os filhos, em cerimônias ornamentadas pelos afrescos de Volpi? Tais pinturas, caso preservadas, não estariam gravadas de modo indelével nas memórias destes fiéis?
Foi só a obra artística de Alfredo Volpi que foi prejudicada?
Alfredo Volpi foi impedido de ter sua obra incorporada ao imaginário do povo brasiliense. Foi impedido de ver seus afrescos posteriormente tombados, em nível distrital e federal, como os demais artistas envolvidos na Capela, hoje protegida por força de lei.
Sob qualquer ponto de vista que se queira adotar, onde está, por favor, a coerência?
Se houvesse alguma, ainda que de abordagem religiosa, como fica então a Capela do Cristo Operário? Edifício também dos anos 1950, localizado no bairro do Alto do Ipiranga, em São Paulo, ligado à Ordem dos Dominicanos. Possui obras de artistas do mesmo Modernismo brasileiro, com afrescos de Volpi, acompanhado neste projeto também de Burle Max.
A religião católica de Brasília é outra?
Um único padre, às vésperas ou em pleno regime militar, destruiria assim os afrescos, sem ao menos consultar o Bispo? Não é estranho que não tenha havido reação?
Independentemente do lado que se queira defender, é impossível não reconhecer que, aqui em São Paulo, quando este novo prefeito apagou pichações e grafites, houve grande alarido. Ações judiciais, Ministério Público, liminares. Discussões infindáveis na mídia.
Apagam-se afrescos de um projeto comum de ninguém menos que Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Burle Max e Alfredo Volpi. Encomenda do casal Kubitschek. E ninguém fala nada? Silêncio sepulcral?
Tudo isso precisa ser esclarecido. Compositores que sofreram censura, revolvem até hoje documentos em busca de fatos e circunstâncias. Assim como há pesquisa sobre peças teatrais censuradas e proibidas. Entendo que pintura (terceira das sete artes) também tenha legitimidade para tanto.
Volpi era tímido. Ficava envergonhado. Não disse nada.
Ocorre que o Instituto Volpi tem o DEVER legal de zelar pela preservação e divulgação da memória e da obra artística do pintor. Sua passagem por Brasília é, inquestionavelmente, fato relevante para sua biografia, sua memória.
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