Seguidores

Mostrando postagens com marcador LÊDO IVO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador LÊDO IVO. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 11 de julho de 2017

LÊDO IVO


O SONHO DOS PEIXES



Não posso admitir que os sonhos


sejam um privilégio das criaturas humanas.


Os peixes também sonham.


No lago pantanoso, entre miasmas

que aspiram à espessa dignidade da vida,
eles sonham com os olhos sempre abertos.

Os peixes sonham imóveis, na bem-aventurança
da água fétida. Não são como os homens, que se agitam
em seus leitos desastrados. Na verdade,
os peixes diferem de nós, que ainda não aprendemos a sonhar
e nos debatemos, como afogados, na água turva
entre imagens hediondas e espinhas de peixes mortos.

Junto ao lago que eu mandei cavar,
tornando verdade um incômodo sonho de infância,
interrogo a água escura. As tilapias se escondem
de meu suspeitoso olhar de proprietário
e se recusam a ensinar-me como devo sonhar.






THE DREAM OF FISHES



I cannot accept that dreams


are the privilege of human beings alone.


Fish also dream.


In the swampy pond, amongst miasmas

aspiring to the thickened dignity of life,
they dream with eyes always open.

Fish dream motionless, in the bliss
of fetid water. They aren’t like men, who toss
and turn in their unhappy beds. In truth,
fish are different from us, who have not yet learned to dream,
and we struggle, as if drowning, in turbid water
among hideous images and the bones of long-dead fish.

Beside the pond I ordered to be hollowed out,
making a troublesome dream of childhood come true,
I question the dark water. The tilapias hide
from my suspicious owner’s gaze
and refuse to teach me how I ought to dream.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

LÊDO IVO




O DIA INACABADO

Como todos os homens sou inacabado.
Jamais termino de ser.
Apos a noite breve um longo amanhecer
me detem no umbral do dia.
Perco o que ganho no sonho e no desejo
quando a mim mesmo me acrescento.
Toda vez que me somo, subtraio-me
uma porcao levada pelo vento.
Incompleto no dia inacabado,
livre de ser ainda como e quando,
sigo a marcha das plantas e das estrelas.
E o que me falta e sobra e o meu contentamento.



EL DIA INACABADO

Como todo hombre, estoy inacabado.
No acabo nunca de ser.
Tras noche breve un largo amanecer
me detiene en el umbral del dia.
Pierdo cuanto gano en el sueno y el deseo
cuando a mi mismo me anado.
Cada vez que me sumo, me resto:
fragmento soy llevado por el viento.
Incompleto en el dia inacabado,
libre aun de ser como y cuando,
sigo la marcha de las planta y las estrellas.
Y cuanto me falta y sobra es mi satisfaccion.


DO LIVRO:
CALIMA (MORMACO )
de LEDO IVO
Traducion :MARTIN LOPEZ-VEGA
Ediciones Vaso Roto
Espana -Mexico
Primera Edicion Mundial : Marzo 2011
www.vasorotoediciones.blogspot.com
Impresso en Barcelona
ISBN 978-84-15168-08-9

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

LÊDO IVO



A CAMA DESFEITA


A arrumadeira entrou no quarto apos a partida dos hospedes
e contemplou a cama desfeita: os lencois amarfanhados
indicavam em seu desalinho a passagem do amor
que é sempre desordem e impaciência.
No travesseiro dobrado uma cabeça deixara
alguns fios de cabelo e uma concavidade de concha marinha.
Ela abriu as janelas. E o vento da manha
vindo das florestas e montanhas apagou os vestígios
de uma noite condenada ao olvido,
como todas as noites em que um homem e uma mulher se deitam
numa cama estrangeira que tem algo de nupcial
e de batalha perdida.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

LÊDO IVO


O CREPUSCULO EXEMPLAR

A poesia deve ser poética,
disse o poeta andando pela cidade
e assistindo ao crepusculo de purpura:
uma licao de poeticidade.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

LÊDO IVO !!!




Viver e' esperar.
os vivos esperam
o fim do mormaco,
um amor, um onibus
e ate mesmo uma flor
amarela e bela
de uma primavera.
Os vivos se cansam
de tao longa espera
Deus nao chega nunca.
A mulher amada
vem sempre atrasada.


Vivir es esperar
Los vivos esperan
el final del bochorno,
um amor, un autobus
e incluso la flor
amarilla y hermosa
de una primavera.
Los vivos se cansan
de tan larga espera.
Dios no llega nunca.
La mujer amada
siempre llega con retraso.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Lêdo Ivo & Steven Alexander !



"O mundo sempre esconde os seus segredos


na folha amarelada pelo outono,

nas madeiras que sobram dos naufrágios,

nas grutas, nos viadutos, nos espelhos

que nos contemplam nas barbearias 

e nos duplicam, a nós que somos múltiplos." 



Trecho da Poesia 
O SILÊNCIO DO MUNDO
do Poeta LÊDO IVO
Livro MORMAÇO 
Editora Contra Capa 
Rio de Janeiro, 2013

segunda-feira, 4 de julho de 2016

LÊDO IVO II


Hay ciertos escritores que crean como los pescadores de arrastre; destruyendo toda fauna y flora del espíritu que encuentran a su paso.
*
Hay un cierto tipo de talento que preferimos admirar en los otros, y que jamás desearíamos para nosotros mismos.
*
Lo único que puedo ofrecerte, querido lector, es mi mentira. Si para ti se vuelve verdad, eso es asunto tuyo. Se trata de una operación creadora que convierte a cada lector en un autor invisible.
*
Una de las características fundamentales de la llamada cultura de masas (en las radios, televisiones, cines, periódicos y revistas) es que se empeña en hacer que el pueblo se ría. La risa es el nuevo opio del pueblo.
*
La frontera no es un límite, sino una invitación a la travesía.
*
Que la muerte venga sólo cuando ya esté vacío de mí mismo.
*
Los sueños son los prólogos de la realidad.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

LÊDO IVO I



En la vida siempre es necesario usar máscaras, pues nadie nos reconocería si nos presentásemos con el rostro desnudo.
*
La lasciva Z me confía que el escritor X, con quien tuvo un accidentado comercio amoroso, es pésimo en la cama.
-Le falta estilo -me dice ella.
Nada nuevo; es el mismo defecto de su prosa pobre y sudada.
*
Debemos ser indulgentes con quienes se equivocan, y más indulgentes aún con quienes no tuvieron la valentía de equivocarse.
*
El poeta crea aquello que contempla.
*
No me gusta ver a los muertos. Me parece que se han evadido de sus restos. Sin embargo, pese a la convicción íntima de que los muertos ya no están en sus cadáveres, pasé por la Academia y me detuve unos instantes ante el cuerpo de Guimarães Rosa, fulminado por un infarto tres días después de la noche triunfal de su toma de posesión. Guimarães Rosa llevaba puesto el uniforme de la Academia y sus gafas. ¡Un muerto con gafas! ¿Para ver qué?

terça-feira, 24 de maio de 2016

GONÇALO IVO

   

Gonçalo Ivo e a aurora amanhecida

por Redação
18/05/2016
A mostra "Aurora" reúne parte das 35 pinturas que ilustram a edição brasileira do livro Aurora, 
do pai do artista, o escritor e poeta alagoano Lêdo Ivo (1924-2012), 
publicado postumamente na Espanha, em 2013, 
e que será lançado junto a inauguração da exposição no próximo dia 24 de maio.
“É hora da partida/ parto sem levar nada/ no fim da madrugada, na aurora amanhecida”, 
são os versos que encerram o livro Aurora, de Lêdo Ivo, 
que conta com reproduções de pinturas de Gonçalo Ivo 
feitas especialmente para a edição brasileira do livro, 
em atenção a um desejo do poeta alagoano, falecido em dezembro de 2012. 
Essas pinturas não apenas condensam e deslocam a recente investigação pictórica de Gonçalo Ivo, 
como servem para iluminar as 15 obras presentes na mostra, 
entre as quais duas pinturas no formato 220 x 140 cm, feitas sobre fórmica, 
suporte inédito em sua produção e apresentado pela primeira vez ao público.
Numa delas, Poema noturno, homenagem a Lêdo Ivo, de 2014, 
pintada sobre fórmica negra, cruzes e linhas, 
recorrentes em suas últimas obras, estabelecem uma misteriosa constelação, 
cujas cores, grávidas de movimento, carregam consigo a claridade que, 
no dizer de seu pai sobre a aurora, “[...] permite ver/ a matéria do mundo”. 
Como sugerem os versos que, desta vez, abrem o derradeiro livro preparado por Lêdo Ivo, 
“Ao romper da aurora/ tudo é epifania”, e a pintura de Gonçalo, 
como se nota no conjunto agora exposto, continua a celebrar, em sua própria religiosidade, 
aparições que, “[...] vindo da sombra/ do mistério da noite”, 
devolvem ao olhar a capacidade de surpreender-se e reanimar-se com coisas terrestres.
Sob a iniciativa da Gustavo Rebello Arte e com o apoio da Contra Capa Editora, 
a exposição, Aurora, conjuga, assim, duas linhas de força da trajetória de Gonçalo Ivo: 
a incessante investigação cromática, cotidianamente invocada em seu ateliê, 
e o diálogo com outras manifestações da arte e do espírito, 
não raro estabelecido na forma de livros.
“A pintura de Gonçalo Ivo é mais do que um estudo da cor, 
é uma escola para a cor. Ali, ela aprende. 
Amadurece, como animal efetivamente caçado, 
que não pode mais deixar de assumir sua evidência no mundo. 
Cada tela é uma classe, feita de superior maestria, 
onde a luz incide para se adorar já não enquanto acaso, 
mas enquanto inteligência. 
É esta a diferença entre a cor por consciência e a casual. 
O trabalho de Gonçalo Ivo, cientista desta arte, 
é um modo de revelação, 
não enquanto delirante tentativa mas exatamente 
enquanto pronúncia de sábio que chega cada vez mais perto do que não se podia ver.” 
Valter Hugo Mãe.

FONTE : http://dasartes.com.br/pt_BR/noticias/goncalo-ivo-e-a-aurora-amanhecida

quarta-feira, 20 de abril de 2016

LÊDO IVO



"Quem paga a festa deslumbrante não é o dono do palácio, mas as criaturas aturdidas que, atrás dos cordões de isolamento, assistem à chegada dos convidados. 
No mundo em que vivemos, são os que nada têm que sustentam os poderosos."


Confissões de um Poeta
Lêdo Ivo
1979.

terça-feira, 7 de julho de 2015

LÊDO IVO en EL CULTURAL, 6 JULIO 2015


“Novicio rebelde en el convento de los monjes obedientes”, lo llamó Wilson Martins. “Literatura es diversidad. No se puede hacer una dictadura estética literaria”, dijo el poeta. Son dos frases que definen el carácter y la obra artística de Lêdo Ivo (Maceló, 1924-Sevilla, 2012). Su nombre empezó a difundirse con fuerza en nuestro país gracias a un poema de Juan Carlos Mestre: “Cavalo Morto”.

Martín López-Vega prologa y traduce Relámpago, último poemario de Ivo. Las veintidós páginas de su introducción describen detalladamente el ambiente familiar, los inicios, las luchas y transgresiones del escritor brasileño. Asimismo el rumbo que traza su poesía. Rodeado de autores que componen versos cortos, él opta por la expresión extensa y narrativa. Descree de la escritura que huye de la angustia humana. Supera los límites de las modas creativas. Rechaza el formalismo. Domina la métrica; no la concibe como cárcel. Mezcla con gracia su cultura personal y un decorado colectivo. Acaba consiguiendo una especie de inocencia estoica: “Y el dolor es dolor inútil, vano lamento / de ave deshecha en desprendida pluma”.

Existe un claro conocimiento en este libro breve, publicado por primera vez en español y portugués. Se sabe que, pocos años antes de morir, Ivo aumenta su ritmo de producción literaria. La necesidad imperiosa de expresarse va en compañía de un tono austero. Así encontramos una ética pudorosa, sin ruido dogmático. El poeta observa las prisas de los hombres, transeúntes desorientados; la similitud entre la vida y los movimientos de una serpiente; el oro convertido en humareda. Sus títulos escuetos (“La laguna”, “Invectiva”, “La batalla”, “El ignorante”, etc.) son coherentes con unos versos que, despojados de adornos, nos hablan de un viaje sin faro ni pasaporte: “Y nada comienza o termina. Y nada vive en mí / salvo un rumor de hojas, / salvo el caer de las hojas en la espesura”.

La edición de Relámpago incluye un epílogo de ocho páginas escritas por el pintor Gonçalo Ivo, hijo del poeta. Son reflexiones emocionantes sobre la personalidad de un padre que identifica el paraíso con la contemplación de un seto humilde. El lector disfruta con los paseos, la imagen de Lêdo Ivo que recita a Camões, su descubrimiento de las palabras, los días finales de su vida, algunas perplejidades íntimas. El libro finaliza con trece facsímiles que nos permiten conocer la manera de trabajar de un autor destinado a convertirse en clásico.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

LÊDO IVO !!!





O CAMINHO BRANCO
Lêdo Ivo (18 de fevereiro, nascimento do poeta)
Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
Atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de bruma e prata.
Entre tufos de carqueja
há constelações de orvalho
e um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto de água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada.
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.
***
Lêdo Ivo faleceu no dia 23 de dezembro de 2012 aos 88 anos, em Sevilha (Espanha). Nasceu no dia 18 de fevereiro de 1924, Maceió (AL).

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Marco Coiatelli & Lêdo Ivo !!!



AQUI

NÃO JULGUE A TARDE
PELA MANHÃ.
O SOL NÃO ARDE
NA TELHA VÃ.

ALMAS SÃO CORPOS.
A TERRA É O CÉU.
O OUTRO MUNDO
É ESTE MUNDO.

NENHUM LUGAR 
FORA DAQUI
À NOSSA ESPERA.

TODO VERÃO
É SEMPRE OUTONO
E PRIMAVERA.

Lêdo Ivo

O Rumor da noite

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

LEDO IVO !!!



La quemazón

Queme todo lo que pueda:
las cartas de amor
las cuentas del teléfono
la lista de ropa sucia
las escrituras y documentos
las deslealtades de los colegas resentidos
la confesión interrumpida
el poema erótico que ratifica la impotencia y anuncia la arterioesclerosis
los recortes antiguos y las fotografías amarillas.
No deje a los herederos famélicos
ninguna herencia de papel.

Sea como los lobos: more en un cubil
y sólo muestre a la canalla de las calles sus dientes afilados.
Viva y muera encerrado como un caracol.
Diga siempre no a la escoria electrónica.

Destruya los poemas inconclusos, los apuntes, las variantes y los fragmentos
que provocan el orgasmo tardío de filólogos y escoliastas.
No deje a los catadores de basura literaria ninguna migaja.
No confíe a nadie su secreto.
La verdad no puede ser dicha.


Traducción de Rodolfo Alonso.


http://www.cosmopoetica.es/invitados/222-ledo-ivo

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Lêdo Ivo by Gonçalo Ivo !!!



Anotações sobre a poesia de Lêdo Ivo


I
Guadalquivir e o tempo

Lêdo Ivo morreu muito jovem. Iria completar 89 anos. Das muitas vidas que viveu, esta, que ficou para trás, foi mais uma passagem na nebulosa floresta do tempo. Poetas não têm idade ou sequer morrem. São como bichos incômodos, insetos, conchas do mar a abrigar viscosos moluscos ou mesmo víboras, sempre a nos perturbar com sua morfologia misteriosa, ruídos e zumbidos indecifráveis. Herdarão a terra após o fim dos tempos.
Um fato ocorrido no cemitério de San Fernando em Sevilha, no dia 25 de dezembro de 2012, quando cremei o corpo de meu pai, confirmará o que digo. Enquanto transcorria a cerimônia da transformação de seu corpo em cinzas, convidei Leonardo, meu filho, a uma caminhada entre as frias aleias no início de mais uma manhã de inverno. Esta necrópole não está longe de um dos braços do rio Guadalquivir. Cemitérios são projetados e construídos como se fossem cidades. E os muros de San Fernando guardavam naquela manhã, antes do acontecimento da aurora, a silhueta de esguios toureiros contra um céu cada vez mais violáceo, fantasmas de cantantes de flamenco, divas, inúmeros e ilustres personagens locais. Entre as lápides negras adornadas por ferros e volutas retorcidas, esculturas invulgares, flores de plástico e fotografias esmaltadas a estampar faces esmaecidas, se esgueirou um pequeno gato. Vinha de outro reino. Mirava a tudo de forma traiçoeira, como se estivesse a hipnotizar os pequenos pássaros que desavisadamente pousavam na terra à procura de alguns grãos. Disse a Leonardo: “Seu avô reencarnou”. Pois os poetas são o instrumento insubstituível entre este e o outro mundo, aquele em que sonhamos com os olhos bem abertos. O felino, que pouco tempo depois se fartou de nossa companhia, saltou a outros sítios e vidas, desapareceu na manhã solitária rasgada pela imprecação dos primeiros raios de luz. E em mim deixou a dúvida de toda uma existência.
Lembrei-me então dos versos de Matsuo Basho em Sendas de Oku , traduzido por Octavio Paz e a mim por ele ofertado quando estive no México com Lêdo e Leda em 1982:  

Los meses y los días son viajeros de la eternidad. El año que se va y el que viene también son viajeros. Para aquellos que dejan flotar sus vidas a bordo de los barcos o envejecen conduciendo caballos, todos los días son viaje y su casa misma es viaje. Entre los antiguos, muchos murieron en plena ruta. A mí mismo, desde hace mucho, como girón de nube arrastrado por el viento, me turbaban pensamientos de vagabundeo.


Logo se fez dia! Sevilha foi ficando cada vez mais distante e se tornando lembrança, enquanto o trem avançava e me levava de volta a Madri. Passei por túneis escuros e brumas entre montanhas recém-tocadas pela tempestade. Deixei também para trás o rio Guadalquivir, tão distinto de quando visto do céu, irregular como uma serpente. Sobre este rio, Lêdo Ivo escreveu em Um Brasileiro em Paris, de1953:

Guadalquivir

[...]

À água digo: o tempo não tem futuro,
presente ou passado. Coisa em si mesma
perpétua, é tábua infinita do mundo.
Guadalquivir sente isso: canta em pedra

Entre árvores o dia faz-se tempo,
cal íntegra que as pátinas não mancham,
lavada pela água suja do rio.

Dize-me, Guadalquivir, como pode
alguém viver sem tua companhia?
Passas cantando em mim e é belo o dia. 


Lêdo Ivo não se contentou em atravessar comigo neste derradeiro inverno mais uma ponte sobre esse rio. Queria a eternidade de viver, morrer e renascer em sua companhia. É a eterna premonição dos poetas. Saber cantar o que será o novo dia. Transmutar no futuro as lembranças em tinta negra sobre a folha de papel amarelada pelo tempo.

Maré

Na praia de papel
respiro o ar do mundo.
Letras.  

Na ortografia vive
todo o meu mistério.
Tinta.

O mar azul vomita
algas e medusas.
Signos.

 A sujeira do mar
 é meu patrimônio.
 Canto.

 Um brasileiro em Paris, 1953. 



II
O Vento de Maceió

Há algo no ar, o cheiro do peixe, do sal, do sargaço, trazidos a terra pelo vento do mar, emblema natal e marca indelével nos recortes suavemente arredondados da costa verdejante, espécie de geometria, arquitetura de contenção a proteger coqueirais, mangues, lagoas, canaviais, memórias... 
Neste horizonte, o poeta regressa todos os dias em navios, cargueiros avariados, carcomidos pela ferrugem que procuram o lugar certo para morrer. 
Ainda em minha juventude, instado por meu pai, resolvi passar as férias de verão em Maceió, sua cidade natal. Havia sempre a carinhosa acolhida de tios e primos que até então desconhecia, e mesmo de "parentes" que ostentavam uma consanguinidade difusa, coisa comum neste canto do Brasil. Estas foram as minhas temporadas nordestinas, inesquecíveis, entre Maceió, Recife, João Pessoa, Caruaru, Areias, Deodoro, Penedo, Neópolis... Na minha primeira e verdadeira travessia do Rio São Francisco, a bordo de uma pequena piroga, me dei conta da imensidão de suas águas, que de tão excessivas guardavam em seu estuário as sombras terrosas de infinitas nuvens brancas, como se fossem borrões sendo levados para o mar, e em suas profundezas lodosas e traiçoeiras ocultavam jacarés, tartarugas, carapebas e piranhas. Nas margens desse rio/mar, em Neópolis, lavadeiras entoavam cantos, enquanto quaravam e secavam seus tecidos coloridos sob o sol. 


III
A Cidade e os Dias

A paisagem urbana encarnará eternamente na poesia de Lêdo Ivo. E não só a bucólica, violenta e atemporal Maceió, deitada na lembrança do afeto, mas também a metrópole contemporânea em qualquer dos quatro cantos do mundo, a ostentar suas contradições, casa dos homens sem pátria ou sem brasão natal, onde a matéria da poesia pode vir do som da turbina do jato, dos gemidos dos amantes ou do ruído de um liquidificador – o humano, banal e comum...
Verifico que, após o autoexílio europeu – com base em Paris entre os anos de 1952 a 1954 – e posteriormente na temporada de inverno na América do Norte em 1963, a poesia de Lêdo Ivo sofre mutações.
Em 23 de novembro de 1963, John Fitzgerald Kennedy foi assassinado em Dallas, Texas. Lêdo Ivo, que na mesma época a convite deste governo visitava a América conhecendo universidades, escritores, pintores, cientistas, absorvendo o que então esta nação hegemônica tinha de melhor a oferecer do ponto de vista da cultura, assimilou, como poucos, o que seus sentidos alcançavam. De forma diferente do que fizeram os modernistas paulistas dos anos 1920, esse banquete que lhe é oferecido acrescenta mais do que empobrece ou torna caricatura. Sua escrita fica mais coloquial e terrena. Antes mesmo do golpe militar no Brasil, em 1° de abril de 1964, no seu livro Estação Central, com capa do jovem artista Rubens Gerchman, entoa em A Cartilha, no poema de abertura do livro:

Primeira Lição

Na escola primária 
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.

Ao ficar rapaz
Ivo viu Eva
E aprendeu a amar.

E sendo homem feito
Ivo viu o mundo
Seus comes e bebes.

Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.

E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?

Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.

Em 28 de agosto de 1963, somente alguns meses antes da chegada de meu pai aos Estados Unidos, houve a famosa caminhada sobre Washington, em que aproximadamente 250 mil pessoas ouviram o pastor negro Martin Luther King dizer em voz firme "I have a dream". Um ano antes, Bob Dylan, um dos melhores poetas e músicos de sua geração, entoaria o canto Blowing in the wind. Poemas de cunho social que fazem parte de Estação Central são para mim uma redescoberta. O livro é uma espécie de divisor de águas na produção literária de Lêdo Ivo. Não há mudanças estruturais na essência da escritura. É e sempre será a “mesma língua”, imagética, rica em significados e ambiguidades, oriunda do surrealismo descoberto na juventude, quando ainda menino folheava as páginas de um pequeno livro de cor amarela, adquirido no Recife com poemas de Rimbaud. O que muda e mudará a partir desse encontro com a América é o mundo, seu tamanho, e a parte habitada pelo poeta.
  

IV
Vargem Grande


E de súbito, em 1973, Maceió migra para outra geografia. No novo campo de cultivo e experimento poético, estrelas-do-mar, luzes e reflexos de navios ascendem e incrustam-se no negror do firmamento, desabando em seguida como tempestade sobre horizontes, vales, florestas e rios. É Vargem Grande, a parcela de terra escolhida para professar a nova cartilha. Canta o poeta no livro A Noite Misteriosa, Poesia, 1973 a 1982  
Vargem Grande

 Afinal aprendi a ler a terra.
Este chão completa o céu: brancor de nuvens e constelações
onde pássaros pousam, banhados de sol....


Há um ar bucólico nos poemas de A Noite Misteriosa. Este mundo rural, incomum, nunca experimentado pelo poeta, agora com quase 50 anos de idade, é sentido como nova descoberta, possibilitando práxis inéditas.
Sucedem-se nesses poemas a referência a essa fração de paisagem agrária, metáfora do mundo e sua cosmogonia. Lenhadores, ferradores de cavalo, galpões abandonados, jumentos, ratos do mato, predadores, tempestades, florestas e astros em plena atividade são a seiva dessa sinfonia pastoral.

Advertência a um gavião

O gavião sobrevoa
a plantação de tomate.
Meu irmão gavião,
eu não aceito a morte.
Na partilha do mundo
não estarei ao teu lado.
Jamais admitirei
a usurpação do dia.
Só sei enfileirar-me
No cortejo da vida.
Meu caminho me leva
à floresta onde fluem
as fontes escondidas.
Mesmo longe adivinho
uma árvore que tenha
frescor de fruto ou ninho.
Gavião! Gavião!
embaixador do não,
o céu não pode ser
sepultura de pássaros.
A Noite Misteriosa, 1973/1982.

      

V
Lêdo Ivo o rei da Europa


O lugar sem chave

Quem guarda durante a noite
a chave do necrotério?
Necrotério não tem chave.
Ele sempre fica aberto
seja de noite ou de dia
numa incessante porfia
no vai e vem interminável
do entra e sai dos cadáveres.
Na fetidez do serão
há sempre alguém de plantão
a mão cansada de abrir
o gelado gavetão.
E cesse toda esperança:
a mortalha não tem bolso
para guardar a poupança.
Saibam todos os viventes:
semente do inexistente,
a vida sempre é de morte.
O derradeiro mistério
acaba no cemitério.
Para o defunto ilusório
que estima o logro do fogo
termina no crematório
na trituração dos ossos
na fumaça que se esgarça
e como um vômito alcança
o céu da desesperança
no céu sem céu e sem pássaros.

Relâmpago, livro inédito com 13 poemas a ser publicado em dezembro 2014, edições Valparaíso, Espanha.
   

Numa visita ao Museo del Prado, Lêdo puxa meu braço ao nos depararmos com Dos viejos comiendo, de Francisco de Goya. E, como quem se prepara para contar um segredo, sussurra: “Esta pequena pintura guarda toda poesia, miséria e mistério da vida e do mundo”. Não é só a identificação alinhada à estética do pintor aragonês. Próximo ao final de sua vida, em suas inumeráveis viagens, o poeta parecia caçar pelo mundo a razão ou função de existirmos. Queria tudo entender e tudo a que tivesse direito. Do transitório ao perene. Se seu mundo físico e fronteiras dilatavam-se, sua preocupação como artista fazia o caminho inverso. Seus últimos poemas estão imprecados de indagações existenciais, pensamentos filosóficos, tempos metafísicos e humanidade. Sua poesia alcança o derradeiro clarão do relâmpago. Como Goya e seu intangível Perro semihundido a mirar o nada.

Gonçalo Ivo, Paris, 2 de outubro de 2014.