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terça-feira, 23 de março de 2010

LE CITTA INVISIBILI

Livro escrito por Italo Calvino(1923-1985), sendo publicado em 1972 pela Einaudi quando tinha 49 anos.


Segundo Harold Bloom em artigo publicado na Folha de São Paulo em 30/08/1998.



" A era da crítica literária contemporânea algum dia vai chegar ao fim; talvez já tenha chegado. Obras de ficção que se ajustam muito facilmente às modalidades atuais da crítica vão acabar passando junto com elas. Nabokov, Borges, Garcia Márquez: esses nomes talvez não sejam uma referência tão imediata para as gerações do futuro quanto para a nossa. Muito de Italo Calvino também está fadado a minguar, mas não "As Cidades Invisíveis", embora alguns aspectos do livro pareçam escritos sob medida para sensibilidades formadas pela semiótica e a estética da recepção.

Assim como boa parte da obra de Kafka, "As Cidades Invisíveis" há de sobreviver aos costumes literários de seus admiradores, porque nos transporta de volta à forma pura do romance --um gênero do maravilhoso, um domínio da especulação. Juntamente com "A Grande Muralha da China", de Kafka, esse livro renova uma literatura que nos é necessária, mas que não merecemos mais, ou da qual não somos mais capazes.

Nós também, como Kublai Khan, não precisamos necessariamente acreditar em tudo o que Marco Polo descreve; mas sofremos, como ele, da sensação do vazio de uma terra crepuscular e temos esperança de identificar o traçado de algum padrão, que nos compense pela série infinita de erros sobre a vida. Sem dúvida, como notou Nietzsche, erros sobre a vida são necessários à vida; e sem dúvida, também, como dizia Emerson, nós exigimos vitória --uma vitória dos sentidos, tanto quanto da alma. Mas erro e triunfo indistintamente induzem ao vazio, uma vacuidade cosmológica que o gnosticismo chama de "kenoma": a terra devastada, ou espaço deserto que se vê em toda a tradição literária do romance.

O Kublai Khan de Calvino é um demiurgo habitante do "kenoma", essa "ruína eternamente sem forma", em que o que se sabe é que "a gangrena da corrupção já se espalhou longe demais para que nosso cetro possa lhe estender uma cura", e que "o triunfo sobre monarcas inimigos fez de nós os herdeiros de sua prolongada desgraça".

As cidades invisíveis vão compondo um pontilhado sobre o "kenoma", mas não são parte dele, e sim faíscas do abismo original, fonte de tudo o que temos de mais antigo e de melhor. Não é no "kenoma" que "o estrangeiro hesitando entre duas mulheres sempre encontra uma terceira", nem lá que se encontram "pêras imperiais, ovas de esturjão, astrolábios, ametistas". Como fagulhas do pneuma, ou sopro da alma, as cidades invisíveis não são psiquês, nem personalidades, a despeito de seus nomes (Berenice, Maurília, Fedora, Zoé etc.). Não representam mulheres, mas ancestrais, ou modelos de mulheres, porque cada uma é, ao mesmo tempo, um conjunto de memórias, desejos e signos."

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