Deus existe
na palavra sagrada
que ainda não foi escrita
e em todas outras:
as já lidas
em segredo
ou nas profecias
mal traduzidas
que cada sacerdote acredita
ser a expressão divina
da razão humana.
Deus existe
enquanto incompreensível
encanto de cultos e magias
em todas as crenças
em todas as ciências
como energia magnífica
que justifica
todo o universo
e além dele
na curvatura do tempo
e do espaço.
Deus existe
em cada qual
de nós
e noutro igual
no tudo
e no nada
que fomos
ou que seremos
partes
e todos
ao mesmo instante.
Deus existe
e justifica-se
enquanto inexplicável
se mostra efetivo
enquanto cativo
dentro de mim
e de quem mais perceber
algo maior
enquanto igual
contradições
início e fim.
Deus existe
nos templos
e além deles
nos símbolos
e nos mistérios
da vida
e da morte
que embora término
é sempre novo começo
de algum novo enigma
divino.
Deus existe
em cada escritura
e em nenhuma delas
em cada curva
e em cada reta
em cada ateu
e em cada profeta
e na simplicidade
do dia e da noite:
como ser tudo
vive em cada parte que forma o conjunto.
Deus existe
e somos nós
parte do divino
e assim deuses
ou partes dele
prepotentes em deter a palavra
a verdade de tudo
enquanto o divino permanece mudo
porque todo o mistério da vida
é também próprio
para quem nos cria.
Deus existe
no silêncio absoluto
e em todo o barulho
nas ondas do mar
e nas estrelas mais distantes
na luz e na escuridão
no velho e no menino
na certeza e na contradição
de todas as palavras escritas pelo homem
e em toda a vã prepotência
de cada um deter a palavra divina.
Deus existe
mas além das frases e dos versos
além do caos do universo
em cada certeza e em cada dúvida
no passado e para sempre
revelado antes e além dos tempos das trevas
e ao mesmo tempo incrédulo
porquanto as Igrejas se fecham
e todo o decifrar do enigma
está em revelar cada verdade
como parte para desvendar outra ainda não descoberta.
(Alexandre Nery — 30.12.1999)