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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cecília Meireles

CANÇÃO 

Não sou a das aguas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista 
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.

Quando o tempo em seu abraço 
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Por meu dom, divino faço 
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
componho o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta - em cada momento.

Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua ?
E de teres visto luares,
que ousarás contar da lua ?


Do livro :
Mar Absoluto e Outros Poemas 
Edição da Livraria do Globo
Porto Alegre, 1945

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