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domingo, 1 de fevereiro de 2015

ANDRÉA THOMÉ NETTO






A JARDINAGEM DA VIDA

Hoje fomos podar umas árvores e ajeitar o jardim. Trabalho duro, sol forte e muito calor. E tome tesouradas, “serrotadas” e “arrancações”. Meu companheiro de jardinagem perguntou, ao me ver empunhando a tesoura: E o que você entende disso, mulher? Eu respondi: Nada, mas adoro aprender coisas novas!

E como sempre acontece comigo, quando o corpo trabalha arduamente a cabeça divaga longe... Comecei a pensar em tantas coisas! Primeiro: como é bom experimentar, inventar, aprender coisas novas, mesmo que o braço ainda me doa até agora. A árvore até que ficou bonitinha e nem tão torta assim... Segundo: a vida é uma grande jardinagem. A gente sempre tem o que arrancar, podar, cortar, exterminar, semear, adubar, colher...

Pense bem, caro leitor, já pensou se o jardineiro for tão ambientalista que não admita a hipótese de arrancar um ser vivo da terra, ainda que seja uma erva daninha? Com o tempo elas infestariam o jardim de tal forma que não haveria mais espaço para as flores e frutíferas. E se ao contrário ele cortasse tudo que visse pela frente ameaçando a estética que imaginou para aquele lugar? Boas e belas plantas perderiam a chance de embelezar ainda mais o jardim, ainda que meio fora da estética planejada.

Na vida também é assim. Somos seres que nos fazemos na relação. Relação que estabelecemos conosco mesmos, com os outros, com o meio ambiente, com tudo e todos enfim. Há relações de todos os tipos: as frutíferas, as daninhas, as fortes e duradouras, as que só duram uma estação, as que nos acrescentam, as que só nos exaurem e aquelas que já foram ótimas um dia mas, como “bananeiras que já deram cacho” melhor serem arrancadas. Há ervas daninhas que se espalham onde não foram chamadas, mas que aparentam ser tão bonitinhas que a gente vai deixando-as ficarem ali. Quando nos damos conta, não há espaço para mais nada nem disposição para arrancá-la dali, afinal a “coitadinha” parece ser tão inofensiva, tão frágil, o que será dela sem nós?
Tem plantas que a gente lamenta muito quando morrem, afinal nosso jardim ficava tão melhor com ela, mas tudo na natureza tem seu tempo de nascer e de morrer, deveria ser o tempo dela. O alento está em saber que demonstramos a ela, quando ainda vivia, nossa alegria em tê-la por perto, nosso afeto e consideração. E não podemos esquecer que ela nos modificou e isso nem a saudade pode nos tirar.
E a maravilha de conhecer o tempo de cada planta? Algumas a gente já planta grandes, em plena beleza, outras semeia e até se esquece delas, porque parecem não ter vingado, mas meses depois... tcham! Uma bela flor a espreitar. E a delícia de saborear uma fruta cuja árvore foi plantada e cuidada por nós? Nada igual.

Há plantas que florem o ano todo, desde que bem cuidadas, regadas, adubadas. Outras que nem todo adubo do mundo é capaz de fazer crescer e enraizar. Algumas não chegam a brotar, talvez por apego à semente ou medo da desconhecida germinação, preferem não viver a metamorfose da vida e algum tempo depois já estão apodrecendo. Há também jardineiros relapsos, que imaginam que o jardim vai viver e florir sem ajuda, sem cuidado, sem as mãos jardineiras a lhe conduzirem, aguando sempre, colocando estacas, fazendo podas, corrigindo rumos, semeando o novo.

O modo de cuidarmos do jardim da vida é capaz de revelar quem somos nós. Nossas qualidades e falhas, nossas facilidades e dificuldades. Há quem seja de muita rega e pouca poda, como dizia Artur da Távola. Há quem não pode nunca e seu jardim vira floresta, nem o IBAMA pode autorizar a entrada de alguém lá. Mata fechada, inóspita, habitat de criaturas nem sempre agradáveis de conviver. E eles ainda são capazes de reclamar de viverem sós!

Há quem regue demais, periga até matar as plantas de tanta água. Há quem pode tanto que as plantas nunca vão crescer, cada nova célula um corte, cada galhinho uma tesourada, desse jeito não passam de brotos... Há quem não tenha paciência de esperar a floração e arranque as plantas antes que elas tenham tido a oportunidade de irradiar toda a sua beleza, por não respeitar o tempo certo de cada ser. Há aquelas, no entanto, que a gente espera, rega, poda, aduba e nunca dão em nada mesmo. Não há jardineiro que dê jeito em plantas/gente assim. Melhor arrancar logo e plantar coisa melhor no seu lugar, mesmo que nos doa, pelo investimento que fizemos até ali.

E também como a vida, o jardim nunca está completamente pronto, está sempre em mutação, sempre é uma nova possibilidade. Aquilo que a gente imaginava ficar bem aqui, não se dá bem com muito sol e não prospera, o outro que a gente idealizava ficar bem naquele canto, realmente cresce e nos presenteia com lindas flores. As frutas, aves e borboletas que são atraídas pelos aromas, cores e movimentos de nosso jardim, tudo isso faz dele único, de uma beleza ímpar. Como dizia meu amigo “Pequeno Príncipe”: foi o tempo que perdeste com sua rosa que a fez única no mundo.

E maior que a beleza e singularidade do jardim é a riqueza de aprender a arte da jardinagem. É escolher a roupa adequada para lidar com as plantas, onde pisar, onde apoiar a escada, que hora é mais apropriada para a rega e para a poda e também o melhor local para sentar apreciando nossa obra sempre inacabada...

Que Deus nos permita aprender sempre mais, para que nosso jardim seja cada vez mais belo, oloroso, aconchegante, atraente para outros seres, para que ele tenha a “nossa cara” enfim!

Que boas sementes germinem na sua vida!

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