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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TOMÁS ANTONIO GONZAGA (1744-1810)

          PARTE I
        Lira I
        Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado;
        De tosco trato, d’expressões grosseiro, 
        Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, 
        E mais as finas lãs, de que me visto.
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
        Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos inda não está cortado:  Os pastores, que habitam este monte, Respeitam o poder do meu cajado: Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o próprio Alceste:  Ao som dela concerto a voz celeste; Nem canto letra, que não seja minha,
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
        Mas tendo tantos dotes da ventura, Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Depois que teu afeto me segura,  Que queres do que tenho ser senhora. É bom, minha Marília, é bom ser dono De um rebanho, que cubra monte, e prado;  Porém, gentil Pastora, o teu agrado Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
        Os teus olhos espalham luz divina,  A quem a luz do Sol em vão se atreve:  Papoula, ou rosa delicada, e fina,  Te cobre as faces, que são cor de neve.  Os teus cabelos são uns fios d’ouro; Teu lindo corpo bálsamos vapora.  Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,  Para glória de Amor igual tesouro.
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
        Leve-me a sementeira muito embora O rio sobre os campos levantado: Acabe, acabe a peste matadora,  Sem deixar uma rês, o nédio gado.  Já destes bens, Marília, não preciso: Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;  Para viver feliz, Marília, basta  Que os olhos movas, e me dês um riso.
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
         Irás a divertir-te na floresta, Sustentada, Marília, no meu braço; Ali descansarei a quente sesta, Dormindo um leve sono em teu regaço:  Enquanto a luta jogam os Pastores,  E emparelhados correm nas campinas,  Toucarei teus cabelos de boninas,  Nos troncos gravarei os teus louvores.
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!
        Depois de nos ferir a mão da morte, Ou seja neste monte, ou noutra serra, Nossos corpos terão, terão a sorte  De consumir os dois a mesma terra. Na campa, rodeada de ciprestes, Lerão estas palavras os Pastores: “Quem quiser ser feliz nos seus amores,  Siga os exemplos, que nos deram estes.”
            Graças, Marília bela, 
            Graças à minha Estrela!

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