Seguidores

domingo, 7 de agosto de 2011

Lêdo Ivo aos académicos !!!



Leia a seguir a íntegra da carta enviada por Lêdo Ivo aos acadêmicos:
“Sr. Presidente,
Senhoras Acadêmicas,
Senhores Acadêmicos,
Nesta Academia, como em todas as corporações que se regem pelas normas da civilização, da boa educação, da polidez e da conviviabilidade, o silêncio do auditório, durante a fala de um dos seus integrantes, é um princípio pétreo.
Esse princípio, Sr. Presidente, foi vulnerado quinta-feira última, quando eu estava falando sobre Gonçalves de Magalhães.
Durante 25 minutos, este auditório ouviu, ininterruptamente, ganidos, gemidos, vagidos, coaxos, grasnidos, uivos, ladridos, miados, pipilos e arrulhos intoleráveis, senão obscenos, de um macilento boquirroto ostensivamente deliberado a tisnar e perturbar a minha exposição.
Momentos antes, Sr. Presidente, V. Exa. exarava o seu zelo por esta Casa versando sobre a quilometragem exorbitante de um dos táxis que servem aos acadêmicos do plenário e que, em seu alto juízo, golpeava as burras fartas desta Academia, a mais rica do mundo.
Esse zelo, que é louvável, ou extremamente louvável, se cingiu na sessão de 5. feira última, a um inquietante item monetário, e não voltou a florescer quando um dos mais antigos integrantes desta Casa discorria sobre Gonçalves de Magalhães.
Entendo que era dever inarredável de V. Exa. impor então ao auditório o silêncio de praxe, exercendo plenamente a sua Presidência.
Esse entendimento, aliás, não é só meu — mas ainda o de outros companheiros que, finda a sessão, e ao longo da semana, estranharam a omissão, leniência ou tolerância de V. Exa.
Houve até companheiros que me externaram a opinião de que eu deveria ter suspendido a minha palestra, já que ela fluía num ambiente toldado pela enxurrada de grasnidos a que já aludi.
E não posso nem devo esconder que outros confrades, apreciadores das soluções surpreendentes ou belicosas que quebram a monotonia da vida e das instituições me interpelaram, surpresos, desejosos de saber onde estava a minha alagoanidade, que não se manifestara.
A todos esses companheiros fiéis à tradição de urbanidade e conviviabilidade desta Academia, onde estou há 25 anos, expliquei o ter lido o meu texto até o fim.
Deus, em sua infinita generosidade, assegurou-me, aos 87 anos, o timbre de voz de minha juventude.
Não pertenço à raça dos velhos trôpegos que, com voz de falsete, emitem arrulhos indecorosos em ocasiões em que a decência reclama o ritual do silêncio.
Mas a razão decisiva que me levou a não suspender a minha palestra é outra. Além de ter mantido em mim a voz de minha juventude, Deus me aquinhoou com o sentimento da misericórdia –que é a compaixão suscitada pela miséria alheia– e da piedade, que é dó e comiseração.
Confesso, Sr. Presidente, que me confrange o coração assistir ao penoso espetáculo dos que, alcançada a velhice, ostentam em seu trajeto os sinais indeléveis e quase póstumos da decadência física, mental e moral aceleradas, e mesmo amparados por bengalas astutas rastejam nos salões, corredores e auditórios tão lastimosamente, com os olhos mortiços fixados no chão, como se temessem resvalar em uma cova aberta.
Há velhos que não sabem envelhecer e, desprovidos da alegria e do amor à vida, e do emblema do convívio, destilam ódio, inveja e despeito, porejam calúnias e intrigas, bebem o fel do ostracismo e da obscuridade.
Há velhos que procuram enganar-se a si mesmos, pintando os cabelos, embora as florejantes e fartas cabeleiras antigas já tenham sido devastadas pela sabedoria ou impiedade dos tempo, que as converte em insidiosas relíquias capilares.
Esses velhos enganosos e enganados, o padre Manuel Bernardes os estampilha de “tintureiros de si mesmo”.
No episódio em pauta, o uso imoderado dessa tintura, ou pintura, para esconder o inescondível e disfarçar o indisfarçável, casa-se com a boquirrotice provocadora.
Mas, tintureiro de si mesmo e boquirroto, esse personagem bizarro merece e reclama, de nossa parte, não um ato agressivo ou belicoso, ou alagoano, mas a muda expressão dessa piedade e dessa misericórdia que devem habitar sempre os nossos corações.
Encerro esta palestra com um verso de Lucrécio: “É doce envelhecer de alma honesta”.
Deus guarde V. Exa. Senhor Presidente, e os demais integrantes desta Casa.
Tenho dito.”


 MEU COMENTÁRIO :
Admiro o Poeta Ledo Ivo,
Ad-miro o Acadêmico Eduardo Portella,
Aprendemos que a educação nos é ensinada, mas com o passar do tempo as vezes esquecida...
Devemos ter sempre em mente que a evolução do ser humano foi feita quando se conseguia ouvir o outro...
Em contrapartida a humanidade  pouco entendeu o outro, fez do atropelamento Intelectual uma forma de dirigir errado e um padrão de conduta equivocado !!!
Apesar de séculos e séculos parece que ainda continuamos nesta teimosia ...
Afinal quando aprenderemos a ouvir o outro ?
Como Eterno Aprendiz do Direito...
Lembro que é fundamental ouvir o outro..
e talvez para que isso se processe da melhor maneira possível..
As vezes  é preciso muito mais que apenas uma relação de amizade com o silencio !!! 
É preciso uma relação de Amor para com o próximo !!!

2 comentários:

  1. Ele sempre sabe ficar por cima...

    Eita, alagoano exibido!!!

    (Sem querer magoar)

    ResponderExcluir
  2. Sem palavras. A cada dia, mais e mais fâ do Lêdo Ivo. Ele é genial. Efetivamente, genial.

    ResponderExcluir