- Você mora em Paris desde 2000. Por que tomou essa decisão? Qual é sua interação com o mundo parisiense da arte, hoje?
GONÇALO - Falando novamente em acaso, moro em Paris por força do destino. Nunca pensei em estar longe do meu ateliê de Teresópolis. Há 20 anos um amigo jogou o I Ching para mim . O oráculo dizia: No futuro você vai morar muito longe do lugar onde você nasceu. Como numa narrativa do Jung , num texto de Thomas Mann ou numa pequena aquarela de Paul Klee, fui transportado a uma realidade que hoje é meu mundo real. Este ir e vir de lugares distantes, diferentes, só fez enriquecer meu olhar de artista. Gostaria de estar mais no Brasil no meio da floresta de Mata Atlântica onde se incrusta meu ateliê com os meus vira-latas. Este é meu modelo de felicidade. A França para mim é o grande museu, como diria Cézanne a respeito do Louvre . Não estou na França por ser um artista contemporâneo. Meu amigo, o crítico e curador Paulo Herkenhoff , que foi o patrono da minha exposição no Museu Nacional de Belas Artes me fez a mesma pergunta, porque estou em Paris e não em Nova York ou Londres. Não saber responder a essas questões é também uma resposta. Não vivo exclusivamente do lado da razão, basta olhar o meu trabalho. O artista, na minha opinião, é aquele que faz a passagem do aqui para o “au delà”. Não peça ao artista o que você pode pedir ao filósofo ou ao cientista. São disciplinas diferentes.
- Suas telas são marcadas por uma pesquisa cromática cada vez mais rigorosa. Quais são as questões e desafios que a cor ainda coloca para você? O que exatamente te move e te motiva diante da tela em branco? E diante de um objeto a ser criado?
GONÇALO - Pode parecer estranho ao público ou a quem olha o meu trabalho ao longo dos anos, mas francamente, a cor não é o único cerne do meu trabalho. Não há nada de intencional da minha parte de uma pesquisa mais dirigida em relação às possibilidades da cor (croma, intensidades, cor adjetiva, cor substantiva, teorias cromáticas dos séculos XIX e XX, nada disso pouco ou nada me interessa). Voltando à intuição, sou guiado pela luz de um farol interior. É claro que sou um artista conhecedor de tudo ou quase tudo que me precedeu. Mas não faço parte da corrente que acredita num Darwinismo em arte. Ainda menino, vi chegar em casa na coleção de meus pais três têmperas de Alfredo Volpi. Naquele momento sabia que estava diante de algo singular: a fatura, a rudeza da execução e o comentário mais sutil ainda que só tenha descoberto com os anos da experiência: a relação da obra de Volpi com Giotto, Piero de La Francesca, Paulo Ucello e grande parte da arte minóica, africana e etc. É evidente que a cor para mim é algo importante. Utilizei um comentário de Paul Klee para definir o meu estado de ser artista: ” A cor me possui. Não preciso ir atrás dela. Ela me possui para sempre, eu sei. É esse o significado dessa hora feliz: a cor e eu somos um. Sou pintor.” Com relação à segunda parte da sua pergunta, estou sempre com as mãos em atividade. Com as mãos e o pensamento em atividade. Várias coisas me movem. Pode ser uma pintura, um tecido africano, asiático ou uma colcha de retalhos mineira e é claro, há também, acredito, uma grande parcela do que chamo do eu mesmo, algo insondável, inexplicável que não passa pela história da arte e pelo conhecimento. Continuo acreditando que qualquer artista é ele e o outro. O artista fala por ele mas sua voz fala também pelo outro, pelo anônimo, pelo que não tem voz. Quando estou diante da tela em branco, não racionalizo, simplesmente vou em frente. Tem sido assim toda a minha vida.
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