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terça-feira, 7 de junho de 2011

MACHADO DE ASSIS - POESIA





ASPIRAÇÃO

1862

A F. X. DE NOVAIS

Qu’aperçois-tu, mon âme? 
Au fond, n’est- ce-pas Dieu? 
Tu vais à lui...

V. DE LAPRADE



Sinto que há na minh’alma um vácuo imenso e fundo,

E desta meia morte o frio olhar do mundo 
Não vê o que há de triste e de real em mim; 
Muita vez, ó poeta, a dor é casta assim;
Refolha-se, não diz no rosto o que ela é, 
E nem que o revelasse, o vulgo não põe fé 
Nas tristes comoções da verde mocidade, 
E responde sorrindo à cruel realidade.


Não assim tu, ó alma, ó coração amigo; 
Nu, como a consciência, abro-me aqui contigo; 
Tu que corres, como eu, na vereda fatal 
Em busca do mesmo alvo e do mesmo ideal. Deixemos que ela ria, a turba ignara e vã; 
Nossas almas a sós, como irmão junto a irmã, 
Em santa comunhão, sem cárcere, nem véus, Conversarão no espaço e mais perto de Deus.


Deus quando abre ao poeta as portas desta vida 
Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
Traja de luto a folha em que lhe deixa escritas 
A suprema saudade e as dores infinitas. 
Alma errante e perdida em um fatal desterro, 
Neste primeiro e fundo e triste limbo do erro, 
Chora a pátria celeste, o foco, o cetro, a luz, 
Onde o anjo da morte, ou da vida, o conduz, 
No dia festival do grande livramento;
Antes disso, a tristeza, o sombrio tormento, 
O torvo azar, e mais, a torva solidão, 
Embaciam-lhe n’alma o espelho da ilusão.


O poeta chora e vê perderem-se esfolhadas 
Da verde primavera as flores tão cuidadas; 
Rasga, como Jesus, no caminho das dores, 
Os lassos pés; o sangue umedece-lhe as flores 
Mortas ali, — e a fé, a fé mãe, a fé santa,
Ao vento impuro e mau que as ilusões quebranta, 
Na alma que ali se vai muitas vezes vacila...


Oh! feliz o que pode, alma alegre e tranqüila, 
A esperança vivaz e as ilusões floridas, 
Atravessar cantando as longas avenidas 
Que levam do presente ao secreto porvir! 
Feliz esse! Esse pode amar, gozar, sentir, 
Viver enfim! A vida é o amor, é a paz,
É a doce ilusão e a esperança vivaz; 
Não esta do poeta, esta que Deus nos pôs 
Nem como inútil fardo, antes como um algoz !


O poeta busca sempre o almejado ideal... 
Triste e funesto afã! tentativa fatal! 
Nesta sede de luz, nesta fome de amor, 
O poeta corre à estrela, à brisa, ao mar, à flor; 
Quer ver-lhe a luz na luz da estrela peregrina, 
Quer–lhe o cheiro aspirar na rosa da campina, 
Na brisa o doce alento, a voz na voz do mar,
Ó inútil esforço! Ó ímprobo lutar! 
Em vez da luz, do aroma, ou do alento ou da voz, Acha-se o nada, o torvo, o impassível algoz !


Onde te escondes, pois, ideal da ventura? 
Em que canto da terra, em que funda espessura 
Foste esconder, ó fada, o teu esquivo lar? 
Dos homens esquecido, em ermo recatado, 
Que voz do coração, que lágrima, que brado 
Do sono em que ora estás te virá despertar?


A esta sede de amar só Deus conhece a fonte? 
Jorra ele ainda além deste fundo horizonte 
Que a mente não calcula, e onde se perde o olhar? Que asas nos deste, ó Deus, para transpor o espaço? Ao ermo do desterro inda nos prende um laço:
Onde encontrar a mão que o venha desatar?


Creio que só em ti há essa luz secreta, 
Essa estrela polar dos sonhos do poeta, 
Esse alvo, esse termo, esse mago ideal;
Fonte de todo o ser e fonte da verdade, 
Nós vamos para ti, e em tua imensidade 
É que havemos de ter o repouso final.


É triste quando a vida, erma, como esta, passa, 
E quando nos impele o sopro da desgraça 
Longe de ti, ó Deus, e distante do amor! 
Mas guardemos, poeta, a melhor esperança: 
Sucederá a glória à salutar provança:
O que a terra não deu, dar-nos-á o Senhor!


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